Coisas da nossa terra
Desta vez não vamos falar sobre coisas irritantes ou sobre a morte. Vamos falar da vida, do nascimento dessa criança que veio ao mundo de uma forma extraordinária, depois de ter ficado 12 meses no ventre da mãe. Mas admito que é difícil contar a história singular desse nascimento sem antes dizer uma palavra sobre a recente violência policial em Angola! Pois, com toda a franqueza, como podemos aceitar que um médico morra em circunstâncias suspeitas, nas mãos da polícia, ou seja, sob custódia policial, e que nos digam depois, e de forma lapidar, que ‘ele teve um ataque cardíaco, caiu e morreu’? Basicamente, fomos informados de que Silvio Dala esperou até ser preso pela nossa polícia nacional para se matar numa cela, mesmo que na morgue o seu corpo estivesse manchado com o seu próprio sangue e que tinha hematomas na cabeça! Além disso, tudo isso se deve simplesmente ao facto de que ele não usava máscara dentro do próprio carro, no qual estava sozinho e do qual a polícia o havia retirado! Portanto, não é possível calar-se, até porque se diz que a mesma polícia já matou várias outras pessoas, inclusive a tiro, sempre pelos mesmos motivos; uso indevido ou falta de máscara! Só que se quisermos continuar a esquecer que a vida de todos os angolanos importa, os estragos que podemos fazer para fazer cumprir medidas sanitárias sem sentido vão levar à morte de outros preciosos angolanos como este médico, e isto num país onde há 1 médico para vários milhares de habitantes!
Sim, é melhor mesmo falarmos de outras coisas, coisas mais alegres e edificantes. Da vida. Então vamos falar do nascimento dessa criança que aconteceu após 12 meses de gravidez. Porque se ainda achamos que uma mulher deve estar grávida de 9 meses para dar à luz, ou um pouco menos, no caso de um bebé prematuro, eu conheço uma mulher angolana que teve o seu bebé bem após este período convencional! A imprensa internacional também falou de dois casos de gravidezes prolongadas, o de Beulah Hunter em 1945, uma mulher americana, que deu à luz um filho após 375 dias de gravidez (12,5 meses), e o de Wang Shi em 2016, uma mulher chinesa, que deu à luz por cesariana após 17 meses de gravidez. A mulher do nosso país chamava-se Luísa Amélia e deu à luz uma menina chamada Minguita, no dia 21 de Agosto de 1966 em Mbanza-a-Kongo, após 12 meses de gravidez. Essa história vale a pena ser contada porque é rica em ensinamentos e ancestralidade. Na verdade, o incomum nascimento ainda é intrigante, e cada vez que é contado, sempre leva a outras histórias interessantes sobre os povos do mundo. Esta assume particularidades da simbologia africana, aquelas que ligam o mundo visível ao mundo invisível, e é uma história que relembra o valor de cada ser humano e o respeito que lhe é devido independentemente da sua condição e do seu lugar. É, portanto, neste contexto, aparentemente emaranhado, mas onde tudo é padronizado e disciplinado, que se dará o nascimento dessa criança. No momento em que a sua mãe, Luísa Amélia, e a sua família começaram a preocupar-se com o prolongamento da sua gravidez, que já estava a chegar ao 10° mês, no outro extremo da sábia cidade de Mbanza-a-Kongo uma mulher aleijada de nascimento (das duas pernas) e obesa, ao ponto de não poder ir muito longe da sua casa, teve um sonho no qual a bebé da Luísa Amélia vinha dizer-lhe o seguinte: “diga isso à minha mãe, se ela quiser que eu nasça, ela terá que ir comprar o melhor tecido, vermelho, e ir a um alfaiate mandar fazer dois vestidos lindos. Um para mim, que devo usar no dia em que nascer, e outro para ela, que ela deverá usar imediatamente depois de receber. Esta é a minha condição para vir ao seu mundo!” Mas a senhora que teve este sonho sendo deficiente, não foi capaz de ir imediatamente transmitir a mensagem à Luísa Amélia dada a distância que as separava na cidade. Assim, decorridos mais dois meses, o hospital continuou a assumir que era necessário aguardar o nascimento natural da bebé, até porque estava bem no ventre da mãe, mesmo que esta não conseguia mais andar. E como em África os princípios do mundo visível e invisível têm as suas próprias leis, surgiu uma situação propícia que permitiu à enviada especial da bebé da Luísa Amélia finalmente transmitir-lhe a sua mensagem. Foi um Sábado, de manhã, depois da Luísa Amélia chegar ao velório de um familiar que se realizou ao lado da casa onde vivia a mensageira. A senhora deficiente fez um esforço para rastejar até ela e transmitir-lhe a mensagem com toda a gravidade e solenidade exigidas. Foi aí que se soube do sexo da criança, e a senhora disse-lhe ainda que estava esperançosa de que de alguma forma a encontraria para lhe transmitir a mensagem. Luísa Amélia que conhecia bem a força da sua cultura, ajudada pela irmã Carolina, rapidamente levantou-se dos luandos do óbito em que estava caída para ir com pressas até à Casa Verde, uma loja colonial de alta gama que a cidade tinha, para comprar o tecido vermelho necessário antes da loja fechar ao meio-dia. E lá ela encontrou o marido, que era o gerente da loja, a quem contou o sonho e os três, junto com a sua irmã Carolina, correram pela loja para encontrar o melhor tecido entre tantas ofertas. Depois, as duas senhoras, Luísa Amélia e a irmã Carolina, dirigiram-se para a casa da Nkaka Adelina-O-Mawa, uma conhecida alfaiate que morava no bairro das duas irmãs, para encomendar com urgência os dois vestidos. A senhora entendeu imediatamente o significado do pedido e dedicou o seu dia a isso, até cerca das 22 horas, quando mandou entregar os vestidos. Luísa Amélia imediatamente vestiu o seu, conforme as instruções dadas pelo sonho, e por volta das 23 horas as dores do parto começaram. À 1h da manhã, no hospital, já no Domingo, ela deu à luz uma filha que pesava quase 5 quilos e que vestiram com o seu lindo vestido vermelho de princesa que ela tinha vindo exigir para nascer!
Este é o poder da nossa cultura. Esta história leva-nos a ter mais interesse nela, toda a nossa força está na nossa cultura. Não a valorizar é desvalorizarmo-nos, como africanos e como seres humanos. Hoje, Luísa Amélia certamente teria feito uma cesariana, o que poderia ter consequências irreversíveis para o seu corpo ou a sua saúde. A nossa cultura sabe como resolver esses pequenos problemas harmoniosamente. E sabemos, por exemplo, que quando uma gravidez se prolonga, podemos também interromper isso dirigindo as seguintes palavras a criança: “criança linda, sai do ventre da tua mãe e vem para o nosso mundo bom, estamos à tua espera com muito amor! E os teus presentes também estão aqui à tua espera, vem buscá-los!” Assim, em Mbanza-a-Kongo, deram à luz outras mulheres com gravidezes prolongadas, entre elas uma irmã de Luísa Amélia. Conheço bem essa história porque sou o último filho de Luísa Amélia e a sua filha, a mana Minguita, é a minha irmã que também se chama Suzana. Agora vive em Paris. É uma pessoa extraordinária, uma mulher muito forte, física e espiritualmente, com ela nada é impossível. É xará da nossa saudosa avó paterna, Suzana Maianga, da linhagem dos Kintumba (ou Ntumba-a-Mvemba). Foi uma nossa inquilina, que veio do Kwanza Sul, que lhe deu o nome de Minguita, porque nasceu num Domingo, aparentemente é assim que se faz na sua terra. A mana Minguita tem um polegar maior e um pouco mais curto que o outro, ela nasceu assim, é certamente a sua marca de uma fada benevolente, que adora a cor vermelha até hoje.