O feliz heroísmo de Skessa
“A coragem não é a ausência de medo, mas o triunfo sobre ele”, disse Mandela. Esta é a história de um homem, Skessa, que nos deu um bom exemplo de coragem para imitar. A sua terra natal, Mbanza-a-Kongo, onde o seu acto de coragem e abnegação ocorreu, pelo menos fisicamente, mudou muito pouco desde que ele a deixou há 34 anos. Já possuía uma única estrada principal asfaltada, que datava da época colonial, que partia do seu único hospital, o Vunda dya Nsaku, que tinha menos de 70 camas e que também datava da época colonial, e que ficava em frente ao quartel militar das FAPLA na Angola Independente. A estrada passava pela BTR, a barragem colonial que regulava o fluxo de entradas e saídas da cidade de São Salvador do Congo Português, continuava a serpentear em direcção a Mbanza-a-Nkunga, uma pequena aldeia que cruzamos primeiro quando saímos da cidade em direção a Luanda. Não se fez mais nada desde então. Mesmo assim, nos dias da Angola de opulência, desperdício e pilhagem, fingiu-se realizar grandes obras pavimentando sumariamente outra estrada, que já existia quando eu tinha 5 anos nos anos 80, uma estrada que passava pela casa da minha avó Catarina-a-Nkengue, que chamávamos de Marginal e que era atapetada com barro vermelho pitoresco. Para essa estrada, fez-se, na direcção do bairro de Nsongo, para quem vai à Mbanza-a-Nkunga, um pequeno troço de menos de 4km e uma triste ponte que o permite percorrer.
Quanto ao aeroporto, que também havia sido feito pelo colonizador, para separar os bairros de brancos dos negros, e hoje, ainda separado por casas de habitantes locais e onde galinhas, cães, porcos, cabras e peões vinham disputar-se pela pista com os aviões, foi fechado a pedido da Unesco, faz parte da área da cidade classificada como Património da Humanidade, defende-se. Mbanza-a-Kongo é, portanto, uma capital de província que não tem aeroporto. E desde que foi anunciado que se iria ocupar o terreno do meu avô Ndoma-O-Dikita em Nkiende, para construir o novo aeroporto, o projecto é ainda uma miragem, e sabe-se lá porquê! Isso é o essencial das principais obras que foram feitas (ou só anunciadas!) para aquela cidade desde a Independência. Mas orgulha-se, claro, do pequeno prédio de menos de dois andares que se construiu ao lado do Palácio, no terreno onde as Caçulinhas jogavam, que serve como sala oficial de reuniões e um pequeno recanto de recepção. Só que uma alma sensível e culta se perguntaria com tristeza para onde foram os vultuosos projectos dos Ne Kongo; quem queriam erguer na cidade o que existe hoje em Roma ou em Paris. E, sobretudo, perguntar-se-ia, com espanto, como é possível que seja assim na capital da província do país que fornece a maior quantidade de petróleo que lhe dá de comer, que enriquece todos os marimbondos que ainda possuem iates de todos os tamanhos e outros que andam protegidos, a tal ponto que a media nacional nem sequer pode discutir livremente as denúncias de corrupção feitas pela media portuguesa! Bem, é por isso mesmo que desafio a todos nós, que um de nós apenas levante um dedo, se se atrever, para dizer, comparando-se ao Skessa: “Fiz um acto heróico e de abnegação maior que este homem pelo meu país, pela minha terra!”.
Pois, homens como o Skessa, em países que sabem valorizar a necessidade de estimular sentimentos de honra, são condecorados com todas as honras! Por isso o presidente francês Emmanuel Macron recebeu e homenageou Mamoudou Gassama, o imigrante maliano que subiu, em 26 de maio de 2018, quatro andares de um edifício parisiense para salvar uma criança de quatro anos que estava pendurada a uma varanda. E o que fizeram José Eduardo dos Santos e o então comissário provincial do Zaire pela coragem de Skessa? Nada. Estritamente nada. Mas o seu acto heróico ainda merece elogios e valorização, especialmente porque o Skessa era considerado por aqueles que se julgam equilibrados como “desequilibrado”, “louco”. Eis os factos e vejamos, depois, quem é realmente louco, ele, por ter salvo dezenas de vidas, ou nós, por não termos estado à altura para honrar publicamente o seu heróico acto e fazer dele um exemplo.
Nascimento Kubanza já sofria de demência quando eu era criança. Também era chamado de Skessa porque falava sozinho na rua e dizia o tempo todo “Esqueça, estou malaika!” Vilakana!” E a lembrança mais viva que tenho dele é daquele dia em que apareceu com uma fisga, na esquina da casa da conhecida avó Dregina, três casas depois da nossa, descendo a rua, no bairro Álvaro Buta. Estava particularmente irritado e falava alto, sem dúvida muito chateado com o grupo de rapazes que gostava de provocá-lo. Todos naquela rua rapidamente refugiaram-se na casa mais próxima quando o viram colocar uma grossa pedra na tira de cabedal da fisga, que puxou depois esticando o elástico com os seus braços musculosos. O projéctil foi bater violentamente contra a nossa janela, o que irritou o meu pai, que saiu para lhe gritar um “Ei!” muito intimidante. O Skessa amoleceu ao vê-lo, depois murmurou “Mano! Mano!” com reverência e passou pela nossa casa, na rua, com a cabeça baixa. Subiu em direção à casa da sua mãe, que não estava distante do aeroporto. Estava vestido de maneira extravagante: uma camisa cáqui esfarrapada, um grande cinto de couro, um calção de jeans muito curto, que tinha rasgado nas pontas com uma tesoura e que descia até o meio das coxas, botas de cowboy e tinha, penduradas, sob o ombro esquerdo, uma catana bem afiada e, na anca direita, uma longa faca. Ficou demente por causa das torturas que a PIDE lhe infligiu durante anos, quando o seu pai, André Raimundo Kubanza, que participou na Revolta dos Enfermeiros no início da Revolução, fugiu do Kwanza Norte, junto com Manuel Quarta Punza e outros camaradas, para onde havia sido transferido, para ir para os maquis se juntar à luta contra o colonialismo. A PIDE torturava o Skessa pensando que sabia e diria onde estava escondido o pai. Até foi enviado à tropa colonial para servir no Sul e aí o drogavam. Voltou para Mbanza-a-Kongo assim, destruído. Mas não era mau, reconhecia as pessoas e até procurava por toda a cidade por pessoas que perdiam as suas chaves que ele encontrava no chão para devolvê-las.
Foi esse homem que fez história na sua terra natal, salvando vidas. Em 25 de maio de 1985, os pilotos de um Antonov 26 da Força Aérea Angolana, que tentavam evitar uma cabra na pista, chocaram-se contra um posto eléctrico que arrancou a roda dianteira do avião, conduzindo-o, primeiro, para o edifício de bombeiros, depois, para uma primeira casa e, finalmente, a deslizar para outra. Os habitantes da cidade, que em geral gostavam de ir para o aeroporto assistir com alegria à aterrissagem dos aviões como a um belo espetáculo, desta vez fugiram todos em debandada para longe. E foi então aí que se viu o Skessa surgir, em direcção à aeronave, enfeitado com todo o seu lendário swag, como um actor de Hollywood, segurando um grande machado na mão. À distância, todos os músculos dos seus braços podiam ser vistos a quebrar uma janela de vidro do Antonov, da qual salvou todo o mundo, um por um, incluindo os pilotos. O caminhão de bombeiros apareceu depois, no fim. E o avião transportava também a urna de uma pessoa que tinha falecido em Luanda. O Skessa voltou depois para casa calmamente, ainda no seu estilo de bangão, com o machado, desta vez pousado no ombro, sem expectativa de recompensa. E nunca foi agradecido por isso. A cidade de Mbanza-a-Kongo e todo o nosso país, Angola, devem ter vergonha! Porque este senhor, com esse acto, fez muito mais do que o traidor Luís Lopes de Sequeira e o racista Fernando Pessoa que têm os seus nomes colados nas nossas praças e ruas! O Skessa morreu de envenenamento aos 38 anos em Mbanza-a-Kongo em 1986, quase na indiferença geral. Agora, quem é louco, ele ou nós? Portanto, seria sensato prestar-lhe uma digna homenagem póstuma, pois os heróis nunca morrem!